António e Matias de Carvalho e Vasconcelos nascem, respectivamente, em Cantanhede, em 1827, e Ourentã, em 1832, sendo ambos baptizados na igreja matriz da sede do concelho.
Não era gente nova na dita vila e seu termo. Já em 1743, um Matias Coutinho instituíra, na referida igreja, a capela de Santa Rita, na qual sucederam como administradores seu genro, o Desembargador da Suplicação Matias de Carvalho, que, natural do Porto, se ligara por casamento a Cantanhede, e, mais tarde, seu neto, o Desembargador da Suplicação, Matias José de Carvalho Coutinho.
Não é aqui o lugar de tratar da genealogia desta família, mas refira-se que dois dos seus membros tinham obtido no século XVIII o hábito da Ordem de Cristo, e que, no século XIX, encontramos os seus descendentes em cargos de governança na vila.
É, pois, no seio de uma família nobilitada de abastados proprietários, que há várias gerações desempenhava cargos na magistratura e na administração, que vêem o dia os dois irmãos de que nos vamos ocupar.
Em 1843, partem para Coimbra para seguir os seus estudos, António, com 16 anos, e Matias, com 11. Segue com eles um jovem sacerdote, João Crisóstomo de Amorim Pessoa, contratado pelo seu pai, Matias Mendes Coutinho Carvalho de Vasconcelos, para os acompanhar na nova vida que iam encetar.
Mal sabia o grupo que então deixava Cantanhede rumo àquela que era então, no país, a única sede universitária, que ali viriam todos a ensinar.
António, o mais velho, que em 1848 já se achava no quinto ano de Direito, formou-se nesta faculdade, mas veio a doutorar-se, dez anos mais tarde, na de Filosofia, assim designada mas voltada já, quase em exclusivo, para os domínios científicos. Dedicou a sua vida às ciências naturais, primeiro à mineralogia e geologia, depois à botânica, tendo assumido também funções políticas, como as de deputado, governador civil interino de Coimbra e director geral da instrução pública.
Matias de Carvalho e Vasconcelos, o mais novo, doutorar-se-á na mesma faculdade em 1854, nela vindo a ensinar e a distinguir-se em vários campos científicos, com destaque para o da metalurgia, realizando importantes missões científicas no estrangeiro em representação da universidade, contactando institutos e cientistas de renome em França, na Bélgica, no Reino Unido e Alemanha, ligando a sua faculdade às suas congéneres europeias.
Em parte pela sua especialização naquela área, veio a desempenhar, em Lisboa, a primeira função não académica, de director da Casa da Moeda, para, em seguida, aceitar, na mesma capital, o primeiro cargo político, de Ministro da Fazenda, no segundo ministério do Duque de Loulé, no 25º governo da Monarquia Constitucional. Viria mais tarde, a partir de finais da década de 60, a orientar a sua vida para a carreira diplomática, pontualmente interrompida com novas funções políticas. Passou, assim, o seu percurso biográfico por variados cenários, primeiro o Rio de Janeiro, onde vem a casar e a receber a estima do imperador D.Pedro II, depois Roma, onde permanecerá cerca de duas décadas a partir de 1876, exceptuando-se o ano de 1887, em que estará em Berlim, dois anos após a célebre Conferência que tratara da partilha de África e onde Portugal apresentara o Mapa Cor de Rosa, elaborado pela Sociedade de Geografia, da qual Matias de Carvalho e Vasconcelos também foi sócio, tal como o foi do Instituto de Coimbra e da Academia Real das Ciências. Nas funções políticas, feito Par do Reino em 1880, novamente foi Ministro, mas desta vez dos Negócios Estrangeiros, em 1897, no Ministério de José Luciano de Castro, regressando em seguida à sua vida de diplomata e ao seu posto de Roma, até à data da sua morte, em Florença no dia 2 de Dezembro de 1910.
A Cantanhede, de onde saíra quase na infância, não terá Matias de Carvalho e Vasconcelos regressado senão em ocasionais e esporádicas passagens, ao passo que manteve o seu irmão a ligação, sendo, aliás, em Ourentã, um grande proprietário vinícola. Ali se achavam as suas origens e as mais antigas memórias: a infância, as casas e propriedades da família, os vastos campos agrícolas, as recordações de uma família de longa data ilustre na região, rememorada na rua hoje designada do Conselheiro Carvalho e na já mencionada capela de Santa Rita, instituída pelo seu antepassado na igreja paroquial de São Pedro.
Evoquem-se, pois, estas duas figuras para que ocupem o lugar que merecem no brio da sua terra natal, integrando, por sua vez, agora eles, a memória colectiva do concelho em que nasceram, como protagonistas dos extraordinários progressos que a ciência fez no seu tempo e como figuras empenhadas numa intervenção na vida pública, num tempo de profundas mudanças no país e nas relações internacionais.
Sobre a autora
Maria Madalena G.B. Pessoa Jorge Oudinot Larcher é licenciada em História pela Universidade de Brasília. Doutora em História pela Universidade Católica de Lovaina. Membro da Direção do Instituto Histórico da Beira Côa. Investigadora integrada do CHAM-Centro de Humanidades – Universidade Nova de Lisboa. Professora de História no Instituto Politécnico de Tomar. Tem-se dedicado à investigação no domínio da História Eclesiástica, nomeadamente da Ordem de Cristo e Padroado, e organizado vários colóquios nacionais e internacionais nas áreas da História Institucional e do Património.