No ano de 1801, por determinação do Príncipe Regente, foi organizado um “Mapa da População da Província da Beira”. A comissão para o levantamento dos efetivos populacionais foi entregue às autoridades eclesiásticas, como era costume, por ser uma forma eficaz e menos dispendiosa.
No Bispado de Coimbra, esse apuramento foi levado a cabo na primeira quinzena de junho, mas nem todos os párocos das freguesias da diocese conseguiram cumprir a incumbência.
A paróquia de Murtede é uma das poucas em que o sacerdote respondeu cabalmente ao inquérito pedido. Organizou uma lista completa dos habitantes, colocados não de forma avulsa, mas inseridos nos fogos a que pertenciam, referindo os laços de parentesco entre eles.
Esse documento permite assim estabelecer não só a população que existia na freguesia (sede e lugares) e suas características demográficas, mas também perceber a sua organização familiar, sua dimensão, composição e estrutura.
As famílias de Murtede não eram – como muitas vezes se pensa serem as famílias à época – de grande dimensão, eram maioritariamente nucleares de estrutura e muito poucas continham várias gerações. O número médio de filhos não era muito elevado. A freguesia tinha muita gente que vivia sozinha, assim como muitas viúvas com filhos, poucos criados e não contava expostos.
Sendo uma freguesia rural, a conformação familiar adequa-se à atividade agrícola prevalecente, ao tipo de ocupação da terra, aos contratos agrários, à estruturação social dominante.
Não surgem no rol pessoas de primeiro plano que se distingam na sociedade, na política, nas ciências ou nas artes, mas nem por isso o seu estudo deixa de ser importante para a compreensão da região de Cantanhede. Não privilegiando ninguém, procura ir ao encontro de todos, ao tentar avaliar as condições de vida da sua gente, partindo dos comportamentos face à família que se enquadram no todo social.
Sobre a autora
Guilhermina Mota é professora aposentada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde regeu disciplinas nos Cursos de História, Arqueologia, História da Arte, Jornalismo e Ciências da Informação, Arquivística e Biblioteconómica.
Lecionou nas áreas da Teoria da História, da Metodologia Histórica, das Fontes Históricas, da Investigação em Ciências Sociais e Humanas, da História de Portugal, da História da Época Moderna, da Demografia Histórica, da História da Família e da Paleografia Moderna.
Os seus interesses de investigação centram-se na História Social e na História da Família e da População, tendo ainda dedicado muita da sua atenção aos estudos sobre a História da Cidade de Coimbra e da Universidade, assim como da sua região.
Destacam-se nas suas publicações: Famílias em Coimbra nos séculos XVIII e XIX (2010); Estruturas familiares no mundo rural (1889); Longos e penosos meses de noivado (2013); O trabalho feminino e o comércio em Coimbra (sécs. XVII e XVIII) (1986); Presença feminina na Ordem Terceira de S. Francisco de Coimbra no século XVIII (2021); Penela e a sua gente em meados do século XIX (2015); Os trabalhos e os dias em terras de Lorvão nos inícios do século XX (2016); A construção do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra ao tempo do diretor António José das Neves e Melo (1814) (2020).
Coordenou a obra Minorias étnicas e religiosas em Portugal: História e atualidade.
Desempenhou cargos no âmbito da Faculdade de Letras e integrou o Senado da Universidade de Coimbra.