Desde sempre que o concelho de Cantanhede foi objeto de inúmeros estudos geológicos, sobretudo no sector sudeste, onde se insere a vila de Ançã. Esta região, constituída por terrenos calcários, do Jurássico Médio, alberga uma das unidades geológicas mais conhecidas em território nacional: a unidade dos calcários de Ançã.
O calcário é uma rocha sedimentar (bio)quimiogénica que resulta da precipitação do carbonato de cálcio em solução; embora se possam formar em contexto fluvial/fluvio-deltaico e lacustre, a maioria dos calcários é de origem marinha. Consoante a pureza do calcário – percentagem de calcite –, o teor em matéria orgânica – escureza do calcário –, e o espólio fossilífero – tipo de fósseis identificáveis –, os calcários marinhos poderão provir de ambientes de plataforma continental ou até talude.
O calcário de Ançã é uma rocha de cor clara, branco-amarelada a branco-acinzentada (consoante o teor de sílica), de grão muito fino, compacto e homogéneo. Não apresentando veios, a pedra de Ançã diz-se pulverulenta, ou seja, “facilmente reduzível a pó”, o que explica a sua ampla utilização em arquitetura e escultura. Conquanto os calcários de Ançã sejam fossilíferos, apresentam quase exclusivamente conchas de antigos moluscos cefalópodes: amonites e belemnites.
Localizando-se as pedreiras de onde era extraída ao longo da várzea de Ançã – nas imediações de uma ribeira afluente do rio Mondego, em tempos navegável (a toponímia de Portunhos diagnostica essa “navegabilidade”) –, esta pedra foi utilizada para a decoração de importantes monumentos do Baixo Mondego – Palácio de São Marcos (Tentúgal), Sé Velha e Mosteiro de Santa Cruz (Coimbra); relativamente à estatuária, mormente religiosa, há esculturas em Pedra de Ançã em diversas igrejas, um pouco por todo o país. Os seus atributos mineralógicos, bem como a sua alvura, também a tornaram procurada para o fabrico de cal (razão que explicou a proliferação de fornos de cal nos pinhais em torno das áreas de extração da pedra).
Na sua generalidade, e em comparação com outras pedras ornamentais, as técnicas de extração da pedra de Ançã sempre tomaram um cariz bastante rudimentar, pelo que muitas destas pedreiras eram de reduzida dimensão. Quase todas, infelizmente, ficaram abandonadas, sendo que a vegetação começa, lentamente, a reclamar esses anfiteatros artificiais. A valorização destes espaços, por isso, e a sua inserção em pontos de interesse explicativos de roteiros turísticos – prática essa já levada a cabo pela Câmara Municipal de Cantanhede – tem-se revelado uma estratégia interessante de sensibilização do público para a importância da Pedra de Ançã na construção de uma identidade local e concelhia. Nesse sentido, por se ocupar de um estudo do substrato, i.e., das litologias que servem de palco a um determinado território, o conhecimento geológico assume-se, assim, eminentemente prático, permitindo um outro tipo de leitura e compreensão do passado cultural de uma região.
Sobre o autor
André Almeida Paiva é licenciado em Geologia e Mestre em Geociências, pelo Departamento de Ciências Terra [DCT] da Universidade de Coimbra, tendo sido aprovado respetivamente com as médias de 17 e 18 valores. Presentemente, frequenta o 3º ano da licenciatura em Português da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Durante o seu percurso académico recebeu vários diplomas de mérito e prémios por classificação de média. Participou em vários Congressos e Workshops e tem publicado artigos científicos em revistas nacionais e internacionais
Desde Março de 2022 trabalha como Geólogo na Divisão da Cultura da Câmara de Cantanhede e Museu da Pedra.