O Hospital Colonia Rovisco Pais (HCRP) foi inaugurado em 1947, na Tocha, concelho de Cantanhede, e adotou o nome do benemérito que, ao deixar a sua herança aos Hospitais Civis de Lisboa, possibilitou a sua construção.

Situado numa área com 140 hectares, o Hospital Colónia Rovisco Pais foi uma autêntica aldeia terapêutica, com capacidade para internamento de cerca de 1.000 doentes. Materializou uma resposta qualificada do Estado na assistência a estes doentes, que não tinham vagas suficientes nas enfermarias que lhes estavam destinadas em Lisboa e no Porto e que não eram admitidos em outros hospitais. Constituiu a única unidade nacional de assistência médico-social e de investigação, construída de raiz, inteiramente dedicada a hanseníase (lepra), em Portugal durante quase 40 anos. Promovia a profilaxia, oferecia vigilância e tratamento médico e cirúrgico, apoio social ao paciente e seus familiares, assim como a reabilitação através da fisioterapia, da cirurgia plástica, da ergoterapia e ludoterapia. Funcionava como dispensário central, e possuía um hospital, asilos para idosos ou inválidos, pavilhões para doentes em estado intermédio, pequenos bairros para doentes da mesma família, capela, creche e preventório para crianças sãs e bairro residencial para funcionários.

Sendo o epicentro da Luta contra a Lepra em Portugal, o Hospital Colónia Rovisco Pais dispunha de um conjunto de serviços especializados criados para tratamento e estudo da Doença de Hansen em que se incluíam, além dos serviços internos, serviços externos como as brigadas móveis, que percorriam o país, para fazer o diagnóstico de novos casos, ou a enfermagem domiciliária que fazia o acompanhamento dos doentes externos.

Entre 1947 e 1976, o internamento obrigatório, que era apenas imposto aos casos contagiantes, contou com a sulfonoterapia, adotada logo na primeira década de atividade do antigo Hospital. Mas, em Portugal, a forma clínica prevalente era a lepra Lepromatosa, a variante mais contagiosa e crónica.

Quando o Hospital Colónia Rovisco Pais iniciou o seu funcionamento, em 1947, eram conhecidos 867 doentes, mas sua ação permitiu conhecer e acompanhar 2.760 doentes, conter o número de casos até à adoção da poliquimioterapia e integração no Serviço Nacional de Saúde na década de 1980.

A conceção deste Hospital deve ser entendida num contexto de “medicalização da doença”, decorrente das novas noções de saúde pública, higiene e epidemiologia surgidas a partir do século XIX, e da classificação da lepra como doença infetocontagiosa, após a descoberta do bacilo pelo medico norueguês Gerhard Hansen, em 1873. Enquadra-se também nas orientações internacionais que sugeriam o isolamento dos doentes como forma de contenção do contágio, enquanto não era conhecida e se generalizou a solução terapêutica para a cura da doença.

A presente comunicação resulta da investigação iniciada no projeto de conceção do Núcleo Museológico do Hospital Colonia Rovisco Pais, espaço que se enquadra na estratégia holística de gestão do património do antigo hospital assumida pelo Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro — Rovisco Pais (CMRRC-RP), e que, desde 2017, tem sido apoiada pela fundação japonesa Sasakawa Health Foundation.

No decurso daquele projeto fomos impelidos a reequacionar o papel e a atividade desenvolvida pelo antigo Hospital como resultado da reflexão suscitada pela análise fontes inéditas. O objetivo da comunicação será precisamente partilhar os principais marcos deste percurso, bem como as conclusões identificadas durante a redescoberta do HCRP.

Sobre a autora

Cristina Nogueira é licenciada em História, com especialização em Ciências da Informação (FLUC) e Gestão do Património Cultural (CBSP) e ao longo dos últimos vinte anos tem desenvolvido a sua atividade profissional em áreas como a formação e educação, investigação histórica, arquivística e museologia em diversas instituições. Foi autora de diversos livros e de textos em catálogos de exposições no domínio da história da saúde. Fundadora da CulturAge, nos últimos anos tem trabalhado também na área da consultoria e gestão do património cultural. Desde 2017 que colabora com o Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais na salvaguarda e revitalização do património cultural do antigo Hospital Colónia Rovisco Pais sendo curadora do respetivo Núcleo Museológico.